Antecipar tendências ao mercado de trigo nacional não é tarefa fácil. É provável que produtores digam o mesmo quanto à área a ser destinada à cultura. Apesar de os preços atuais serem maiores que os de um ano atrás, o risco climático, de preço, de liquidez e de produtividade entre outros tendem a limitar a escolha de produtores pelo trigo neste ano. Além disso, há, ainda, o bom estoque mundial de trigo e a possibilidade de a Argentina se mostrar mais agressiva na oferta ao mercado externo, o que desfavorece o produtor brasileiro ao mesmo tempo em que beneficia o comprador nacional.
Tradicionalmente, a cultura do trigo é arriscada. Nas duas últimas safras, o clima, em especial, acarretou quebra da produtividade e prejudicou a qualidade do grão. Por outro lado, a liquidez tem sido melhor que a registrada há três ou quatro anos. Para a próxima safra, porém, há alguns fundamentos que, desde já, pesam contra produtores e/ou vendedores. Os estoques mundiais estão nos maiores níveis históricos e a relação com o consumo são os maiores das últimas 13 anos-safras. Isto por si só constitui fator de pressão sobre as cotações. No Brasil, porém, os estoques no final da próxima temporada devem ser bem baixos.
A política econômica e as relacionadas ao agronegócio passam por mudanças radicais na Argentina, que é a maior fornecedora de trigo ao Brasil. Entre as alterações, está a isenção das “Retenciones”, imposto aplicado às exportação daquele país. Consequentemente, as cotações, em dólar, estão cedendo, não só na Argentina, mas também em países vizinhos, como Paraguai e Uruguai. Com isso, a expectativa é de que o cultivo do trigo se recupere na Argentina – somente na última safra, teve redução de cerca de um milhão de hectares. Com maior área, a tendência é que haja mais excedente exportável.
Nesta linha, o USDA indica que o volume a ser disponibilizado para exportação nos principais países produtores está pressionando as cotações internacionais para o menor nível desde julho de 2010. Mesmo com a estimativa de produção e de consumo mundial em níveis recordes e transações externas no terceiro maior volume histórico, os estoques de passagem continuam em elevação. Com maior excedente, os preços cedem e atraem a demanda, mas ainda não o suficiente para compensar o crescimento da oferta.
Os Estados Unidos e a União Europeia (Europa Ocidental, em particular) têm amplos estoques de passagem e, juntos, devem representar mais de 60% dos estoques finais mundiais da temporada 2015/16. Os preços de exportação dos Estados Unidos estão nos menores patamares em cinco anos, mas ainda não estão competitivos o bastante para ampliar a demanda. Com isso, aquele país deve ter estoques no maior nível em seis anos – o dólar elevado torna o cereal norte-americano menos atraente, prejudicando suas exportações. Os estoques da União Europeia devem alcançar o maior patamar em oito anos, apesar das exportações crescentes. Neste caso, a concorrência com a Rússia e a Ucrânia está limitando as exportações do bloco.
Esse contexto se mostra favorável apenas para compradores, que terão mais opções. Para o mercado brasileiro, tais fundamentos podem dificultar a liquidez nesta próxima temporada. Porém, será preciso analisar o patamar do dólar, que influenciará a paridade de importação e, consequentemente, os preços do produto no mercado físico nacional.
Segundo último Boletim Focus do Banco Central, o dólar pode ter média de R$ 4,21 no final de 2016, o que tenderia a elevar os preços internos. Na semana passada, o dólar futuro na BM&FBovespa aponta valores na casa de R$ 4,08 para Mar/16 e de R$ 4,15 para Maio/16, níveis que também seriam favoráveis a vendedores brasileiros.
Quanto à área a ser cultivada no Paraná, por enquanto, as expectativas de agentes são de manutenção ou mesmo de aumento, já que os preços recebidos nos últimos meses estiveram atraentes. O Paraná produziu a maior parte do cereal de boa qualidade disponível na região Sul do País em 2015, havendo demanda tanto por parte de moinhos locais quanto de fora do estado. Por outro lado, ainda há produtores que podem optar pelo milho, que também se mostra competitivo para a segunda safra.
Já no Rio Grande do Sul, ainda prevalecem incertezas quanto à área a ser cultivada. Pela segunda safra consecutiva, as lavouras do estado foram prejudicadas, com a qualidade dos grãos bem abaixo da considerada ideal pelo moinhos para panificação. Com isso, as expectativas iniciais são de redução na área neste ano – esse cenário também pode ser observado em Santa Catarina.
Em relatório divulgado em dezembro, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) apontou produção nacional de 5,63 milhões de toneladas de trigo em 2015, redução foi de 1,4 milhão de toneladas frente ao primeiro levantamento da Companhia. Com isso, a estimativa de importação do cereal foi para 5,75 milhões de toneladas, com parte desse aumento devendo ocorrer no primeiro semestre de 2016 – é baixa a disponibilidade de trigo de boa qualidade para os moinhos. Sabe-se que o consumo interno deverá ser de 10,3 milhões de toneladas, o que resultará em estoque de passagem, em julho de 2016, de aproximadamente 881 mil toneladas (o menor desde 2010), o que representa cerca de um mês de consumo.