Depois de ser exportada como matéria-prima para ração por falta de qualidade na safra passada, a recém-colhida produção de trigo brasileiro corre risco de encalhar novamente neste ano.
A previsão de grande excedente exportável na América do Sul tem paralisado os negócios com o cereal nacional e já pressionam os preços para baixo.
Apenas 15% da safra de 3,2 milhões de toneladas estimada para o Paraná, maior produtor brasileiro, foram vendidos até agora, quando a média é de 20%. Em anos de safra boa, como em 2008, esse percentual chegou a 33%, segundo a Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar).
Entre as razões para o encalhe está a preocupação com a qualidade da safra paranaense, que não estaria com características que permitem seu uso para fabricação de farinha de panificação.
O segmento é responsável por 60% do consumo de farinha no Brasil. Além disso, os vizinhos do Mercosul devem ter excedente exportável bem maior do que no ano passado, o que mantém os moinhos confortáveis para postergar compras.
"Já está mais barato para um moinho de São Paulo trazer trigo do Paraguai, cuja colheita é realizada agora, junto com o Brasil e a qualidade é equivalente, do que comprar no interior do Paraná", diz Élcio Bento, da Safras & Mercado.
Ele explica que uma tonelada de trigo paraguaio chega ao moinho em São Paulo a R$ 540. Já o cereal paranaense tem de sair do interior do Paraná a R$ 460 para chegar em São Paulo com o mesmo valor. "No entanto, os produtores lá continuam pedindo preços acima de R$ 480 e, por isso, o mercado está travado", completa o analista.
Outro fator de pressão sobre o trigo nacional é que daqui um mês a produção argentina entrará no mercado, o que eleva a possibilidade de encalhe da safra brasileira.
Segundo estimativa da Safras & Mercado, nesta temporada o excedente exportável de trigo nos países do Mercosul, exceto o Brasil, será de 6,7 milhões de toneladas, número que foi de 3,75 milhões de toneladas no ciclo passado.
Isso porque nesta safra, a 2010/11, a produção na Argentina, Uruguai e Paraguai deve crescer substancialmente para 14,3 milhões de toneladas, ante as 10,8 milhões de toneladas de 2009/10.
Além disso, há reclamações, ainda que pontuais, da qualidade do trigo do Paraná. De acordo com Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, um dos maiores da América Latina, o trigo nacional está com bom aspecto, devido ao clima favorável durante a safra.
No entanto, o índice de força de glúten - fundamental para farinhas que se destinam à panificação - está abaixo do necessário. "Estamos garimpando trigo com alta força de glúten. A maior dificuldade é que não há segregação do cereal, conforme suas características. Assim, o bom e o ruim vão para uma vala comum", diz Pih.
Ele estima que grande parte dos moinhos tem estoques de trigo suficientes apenas para até o fim deste mês de outubro. "A saída será continuar garimpando e, complementar o volume com importação do Hemisfério Norte, ainda que esteja mais caro", afirma Pih.
A estratégia deve funcionar até meados de novembro quando começa a entrar a safra da Argentina.
Flávio Turra, assessor técnico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), informa que 80% do que foi colhido até o momento está classificado como trigo pão, com nível de força do glúten acima de 180 joules (medida de energia), conforme Instrução Normativa 7, do Ministério da Agricultura.
Mas, o ideal para a indústria, explica um trader que opera com o cereal no Brasil, é que o índice de força do glúten tenha 250 joules, número que está abaixo de 220 no trigo do Paraná.
Roland Guth, Conselheiro do sindicato que representa os moinhos do Paraná, diz que não vê problemas de qualidade do trigo do Estado.
Fonte: Valor Economico
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