Na Região Sul do Brasil a cultura do trigo tradicionalmente já faz parte do sistema produtivo das propriedades. Desempenha um papel importante não somente como alternativa para produção de grãos no inverno, mas também como cultura formadora de palhada de alta qualidade no sistema de plantio direto.
Em algumas regiões do Brasil onde predominam o clima tropical, produtores começam a perceber alguns benefícios do cultivo do trigo na entressafra da cultura de verão. Um deles é a possibilidade de colheita em períodos de quase ausência de pluviosidade, proporcionando a obtenção de um produto de alta qualidade, cujo peso do hectolítro médio é maior de 80 kg/hl, normalmente superior ao conseguido na região sul do Brasil.
Também se destacam, entre os benefícios, a baixa umidade relativa do ar durante a maior parte do ciclo da cultura, que também contribui para a diminuição da ocorrência de doenças e pragas, outro grave problema do Sul do Brasil. Outro aspecto importante se refere aos patamares de produtividade bem superiores às regiões tradicionais do país e possibilidade de colheita na entressafra da Região Sul do Brasil e da Argentina, principal exportador de trigo para o Brasil, alcançando melhor competitividade de preço no mercado nacional.
Em Minas Gerais, também considerada como região tropical para produção de trigo, percebe-se claramente o avanço da cultura nos últimos anos: dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a área plantada passou de 21,5 mil hectares em 2012 para 55,0 mil hectares em 2014. Neste mesmo período, a produção aumentou de 80,7 mil toneladas em 2012 para 175,9 mil toneladas em 2014. Além da importância amplamente reconhecida da cultura no sistema de produção agrícola das propriedades rurais, onde é altamente vantajosa, quer seja para formação de palhada e cobertura do solo ou para baixar fontes de inóculo de algumas doenças fúngicas, a cultura do trigo vem atraindo a atenção dos produtores mineiros também pelos bons preços pagos pela indústria nos últimos anos.
A brusone do trigo (anamorfo Pyricularia oryzae, teleomorfo Magnaporthe oryzae) foi descrita em espigas de trigo no Brasil em 1985. Seus sintomas característicos são observados em todas as partes da planta, mas é nas espigas que causam danos significativamente econômicos. Nos últimas safras esta doença ganhou importância e chamou a atenção de produtores, técnicos e pesquisadores pelo seu potencial destrutivo. Em alguns casos, onde predominaram temperaturas mais elevadas durante o ciclo, as perdas alcançaram 100%. Os grãos de trigo afetados pela brusone são chochos e adquirem uma forma enrugada, bem diferentes dos grãos sem a presença da doença nas espigas. Estas características dos grãos oriundos de espigas com brusone promovem baixo peso do hectolitro (kg/100 L) e reduzem a produtividade, além de favorecer a péssima qualidade industrial.
Várias estratégias para controle e/ou convivência com esta doença estão sendo pesquisadas. Algumas podem ser implementadas de imediato, enquanto outras demandam tempo para serem aplicadas.
Atualmente poucos produtos químicos estão registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para controle da brusone. Ademais, estudos realizados pela Embrapa Trigo, em parceira com diversas outras instituições de pesquisa e outras empresas do setor, indicam que a eficiência do controle químico é baixa. As causas dessa baixa eficiência no controle da doença ainda são objetos de estudos. Doses de produtos, tecnologias de aplicação, número de aplicações, momento da aplicação, são algumas das variáveis estudadas com o objetivo de melhorar a eficiência no controle químico da brusone.
A resistência genética, geralmente, é a alternativa mais econômica para o controle de doenças. No caso específico da brusone do trigo, os trabalhos de pesquisas conduzidos até o momento apontam poucas cultivares de trigo significativamente tolerantes. A maioria absoluta dos materiais recomendadoas e/ou cultivados nas regiões tropicais de Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Bahia, São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, tem se mostrado altamente suscetível ao patógeno causador da brusone.
Nos últimos três anos vários trabalhos de pesquisas sobre a brusone do trigo vem sendo conduzidos pela Epamig, em Patos de Minas (Financiados pela Fapemig) em conjunto com a Embrapa Trigo. Os resultados mostram que a incidência da doença é extremamente alta quando a semeadura é realizada nos meses de fevereiro e março, caindo significativamente quando a semeadura é realizada a partir de maio. Entre os fatores preponderantes que podem explicar esse comportamento mais ou menos agressivo da doença, destaca-se as variações das temperaturas entre fevereiro e agosto. De acordo com essas pesquisas, a incidência de brusone nas espigas cai para valores inferiores a 10% quando as temperaturas médias das mínimas mensais ficam abaixo dos 14 ºC. Na maioria das regiões brasileiras de clima tropical, as temperaturas médias mínimas são observadas apenas nos meses de maio, junho e julho, indicando que a semeadura deve ser planejada de forma a coincidir o espigamento do trigo (estágio da cultura suscetível a penetração do fungo causador da brusone na espiga) nesses meses mais frios.
Outra estratégia de convivência com a brusone em regiões tropicais é o conhecimento da duração do ciclo das cultivares em cada área de cultivo. Uma determinada cultivar, de ciclo precoce ou tardio, pode alterar a duração do seu ciclo de acordo com as condições ambientais do local de semeadura. Temperaturas mais elevadas e déficit hídrico no solo são os principais fatores que podem encurtar o ciclo das cultivares. Por outro lado, regiões com altitudes mais elevadas, normalmente mais frias, locais com índices pluviométricos mais elevados, cultivos irrigados, tendem a aumentar o ciclo das cultivares. O número de dias que o ciclo pode ser alterado depende da cultivar e da intensidade dos fatores ambientais predominantes na região. Neste sentido, é importante que o triticultor seja orientado tecnicamente ou tenha conhecimento da influência desses fatores, e avalie a possibilidade de efetuar a semeadura de forma que o espigamento ocorra nas condições mais desfavoráveis possíveis à penetração e desenvolvimento do fungo na espiga, ou seja, temperaturas mais amenas.
Outro fator importante que está relacionado com a incidência de brusone é a presença de água no espigamento. Esta água pode ser oriunda de alta umidade relativa dor ar, das chuvas ou da irrigação. Resultados de trabalhos conduzidos na Epamig, em Patos de Minas, apontam que os meses com menor incidência de brusone coincidem com a queda da umidade relativa do ar. No manejo do trigo irrigado em regiões tropicais, é recomendável que o produtor evite irrigar durante o espigamento, com o objetivo de criar uma condição menos favorável à penetração do fungo e ao desenvolvimento da doença.
Enquanto a pesquisa ainda trabalha na busca de cultivares com altos índices de tolerância e até de resistência à brusone, os triticultores, principalmente das regiões tropicais brasileiras, podem conviver com a doença dentro de níveis baixos de incidência. Os principais fatores desfavoráveis ao fungo causador da brusone são: espigamento da cultura em meses mais frios; planejamento da semeadura de acordo com o ciclo e com as condições ambientais locais; evitar irrigação e coincidência de períodos chuvosos no espigamento.
Fonte:Maurício Antônio de Oliveira Coelho Epamig/ Patos de Minas
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