12
ago
2011
Política de Trigo no Brasil

Por Sergio Roberto Dotto
Chefe Geral da Embrapa Trigo

Quando a Embrapa Trigo foi criada pelo Governo Federal, em 1974, a política para o cereal tinha como meta transformar os campos sulinos, muitos em pousio e cobertos por barba-de-bode, em cintilantes trigais, fonte de geração de alimento e renda no campo. Havia uma política para o trigo, com estoques reguladores e compra estatal garantida.

Os investimentos em pesquisas garantiram a oferta de cultivares com crescentes rendimentos e sistemas de produção capazes de minimizar o ataque de pragas e doenças. Aos poucos, o trigo passou a dividir espaço com o milho e a pecuária.

A triticultura crescia tranqüila até o fim da intervenção estatal, na década de 90, quando os acordos bilaterais do Mercosul facilitaram as importações e o quesito qualidade se sobrepôs à sustentabilidade da triticultura. É o consumidor quem passa a definir a tipificação da farinha de trigo e, consequentemente, o destino da produção nacional.


O conceito de qualidade em trigo mudou muito nos últimos 30 anos. Na época dos nossos avós, bastava um pão gostoso, um macarrão que não grudasse na panela, um biscoito crocante. Hoje em dia, o pãozinho precisa crescer rápido, com miolo branquinho e casca dourada. Para o macarrão, o trigo precisa sair da lavoura já com coloração amarelada, reduzindo a adição de ovos na massa para oferecer um alimento mais “light”, com pouco colesterol.

Inaceitável o pacote de biscoitos trazer alguma unidade quebrada, motivo para acionar o Procon e avisar a imprensa. Entender estas mudanças pode parecer fácil para o leitor, mas o produtor de trigo ainda não consegue compreender por quê os grãos colhidos não encontram mais espaço no mercado. “Novos paradigmas no trigo”, poderia resumir um filósofo a um pequeno agricultor.

Por outro lado, a discussão sobre política de trigo precisa considerar a importância do cereal para a manutenção e a sustentabilidade do sistema de produção de grãos utilizado no Sul do País. É indiscutível que a rotação do trigo com a soja e o milho pode aumentar o rendimento destes cultivos de verão, reduzindo pragas e doenças, melhorando a fertilidade do solo e distribuindo os custos da lavoura ao longo do ano.

Nos benefícios indiretos, o trigo movimenta uma cadeia produtiva que vai desde a compra de insumos, transporte, secagem/armazenagem, indústria, produtos e serviços nem sempre percebidos pela sociedade. Na Região Sul, o agronegócio representa 50% do Produto Interno Bruto (PIB). Imagine se a produção de grãos no Sul do país contasse com apenas a safra de verão. Como ficariam as agropecuárias, as cooperativas, a indústria metal-mecânica, o consumo no comércio e serviços nos meses de inverno? A geração de empregos e renda precisa circular durante os 12 meses do ano.

Para conciliar os interesses do consumidor e do produtor, é preciso uma política de trigo bem definida. O consumidor quer qualidade, enquanto o produtor precisa de preço e liquidez no trigo. O Brasil não precisa ser autosuficiente no abastecimento de trigo. Nos momentos em que é mais vantajoso para o País importar trigo, a produção nacional precisa estar direcionada ao mercado externo, exportando os grãos que não encontram espaço no mercado nacional.

Para competir lá fora, visando atender a demanda de trigo nos países emergentes, o setor produtivo precisa estar organizado, em condições de ofertar um produto uniforme, em volume suficiente para atender a demanda, seja ela de trigo brando ou pão. Quando toda a colheita de um estado ou região acaba misturada num mesmo armazém fica difícil convencer o consumidor de que a farinha produzida não vai dar bolo e, no final, tudo acaba em pizza.

Fonte: Agrolink

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