26
jun
2012
O luxo do trigo

Brasil ignora desabastecimento interno e exporta o produto, que segue perdendo espaço nas lavouras do Paraná. Maior produtor do tipo pão, estado é o segundo que mais embarca o cereal

Cassiano Ribeiro

Depois de 20 dias de chuva e frio intensos, Luciano Agottani finalmente colocará as plantadeiras de trigo em campo nesta semana. O agricultor de Palmeira (Campos Gerais) esteve sob tensão desde o início de junho, perdeu o sono, mas não deixou o ânimo esfriar. Contra o clima, o mercado e a maioria dos agricultores paranaenses, ele pretende aumentar suas apostas sobre o cereal neste inverno. Vai cultivar 350 hectares com o produto, contra 150 hectares plantados no ano passado. “Eu gosto de plantar trigo. Se desse tanto dinheiro quanto é bonito estava rico”, diz.

A frase se perpetua há pelo menos duas gerações na família, segundo o agricultor. O esforço demonstrado por ele tem sido cada vez mais raro no Paraná, por conta do alto risco – de preço, liquidez e sensibilidade ao clima – oferecido pela cultura. Até o ano passado, o estado era o maior produtor nacional de trigo, mas neste ano reduziu drasticamente seu cultivo, atingindo a menor área das últimas duas décadas, conforme levantamento da Secretaria Estadual de Agricultura (Seab). De 1 milhão de hectares, a área do cereal deve cair para 792 mil hectares nesta temporada.

E mesmo diante de uma oferta reduzida, suficiente para suprir menos da metade do consumo brasileiro – estimado em 11 milhões de toneladas –, o país, e o próprio Paraná, têm se dado ao luxo de exportar a matéria-prima consumida diariamente pela população. O fluxo de embarcações que deixam à costa brasileira já soma 60% do total importado pelo país até o momento. (veja acima). Maior parte do produto exportado é do tipo brando, usado na fabricação de massas e biscoitos. A variedade é preferência quase unânime entre os agricultores gaúchos, por questões de adaptação ao clima no estado vizinho, por onde sai maior parte do trigo brasileiro. O motivo para as exportações? Preço. Com a desvalorização do produto em relação ao milho no último ano, a demanda internacional pelo trigo aumentou, puxada pela indústria de ração.

Além disso, como maior parte do volume excedente da produção de trigo está no Sul do país, especialmente nas mãos dos gaúchos, a indústria que poderia importar o cereal, nas regiões Norte e Nordeste, prefere buscar o grão em outros países a arcar com um frete correspondente a mais de 3 mil quilômetros. De acordo com cálculo da consultoria Safras & Mercado, atualmente, um comprador de trigo em Fortaleza paga cerca de US$ 320 por tonelada para importar o cereal da Argentina, considerado de excelente qualidade. Para levar o produto do Sul até o mesmo destino, o moinho precisaria desembolsar US$ 335 por tonelada, US$ 15 a mais por tonelada.

Os leilões de escoamento promovidos frequentemente pelo governo federal para incentivar a comercialização do trigo no país também incentivam a exportação do grão. “O governo dá subsídio, de em média R$ 90 por tonelada, para o produtor vender mais barato. O exportador, então, procura países dispostos a pagar o preço que quer, como a África, por exemplo”, revela Michael Prudencio, analista da Safras.

Para Marcelo Percicotti, ge­­rente de fomento e desenvolvimento na Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), falta integração entre todos os elos do trigo. A entidade fez um estudo de toda a cadeia e lançou, no último final de semana, a câmara técnica do trigo, que vai ouvir e discutir os gargalos do cereal em encontros realizados em parceria com Federação da Agricultura (Faep), Organização das Coope­­rativas (Ocerpar) e Sindi­­ca­­tos de Panificação.

Indústria quer qualidade e não quantidade

Considerada a vilã da liquidez entre os produtores rurais, a indústria nacional de trigo alega que tem aumentado a busca pelo cereal em países vizinhos por conta da mudança de foco do setor produtivo brasileiro. Para Marcelo Vosnika, presidente do Sindicato da Indústria de Trigo do Paraná, a partir de 2010, os agricultores passaram a investir em variedades de alta produtividade, mas com qualidade indesejada pelos moinhos. “O governo exigiu menos e, com isso, o produtor se lançou para sementes mais produtivas, mas não se atentou para o que os compradores queriam”, afirma.

Com a alteração e maior rigidez na classificação do produto, Vosnika acredita que esse ‘problema’ será resolvido. Os produtores, no entanto, não se sentem seguros com às mudanças previstas. Nos últimos anos, eles contam mais com as intervenções do governo federal do que com a liquidez natural. Luciano Agottani, de Palmeira, vendeu 100% da sua colheita para o governo em 2011.

O técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no Paraná Eugênio Stefanello concorda com Vos­­nika, porém, pondera que não há apenas um culpado pelas incertezas da cadeia. “Todos elos reconhecem mea-culpa, ou seja, todos precisam se ajustar”, destaca ele. Além de buscar qualidade, Stefanello avalia que as cooperativas do estado precisam investir na segregação do produto que recebem do campo. Quanto às exportações, Vosnika não vê problema. Aponta que o país não tem obrigação de ser autossuficiente e que o Paraná poderia, inclusive, vender mais.


Fonte: Gazeta do Povo
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