14
jun
2022
O agro brasileiro no contexto do conflito Rússia-Ucrânia

Neste início de 2022, o noticiário nacional e internacional tem estado exaustivamente abordando a guerra entre Rússia e Ucrânia, enfatizando seus potenciais efeitos sobre a economia global. O Brasil, embora distante do cenário da guerra, também está sendo afetado pelos transtornos que o conflito está causando na produção e na logística de transporte e processamento de produtos agrícolas; soja e milho, em especial. Se o conflito perdurar por muito tempo, poderá promover a interrupção da produção e do comércio agrícola entre países, levando à escassez de alimentos e ao seu encarecimento.

Rússia e Ucrânia são particularmente fortes na produção e exportações de commodities minerais (petróleo, gás e fertilizantes) mas têm grande potencial para produção de commodities agrícolas (trigo, soja, milho, canola e girassol, entre outros), dada a qualidade e quantidade de terras aptas e disponíveis para aumentar a produção desses produtos que competem com os do Brasil. Em manifestação recente (2018), Vladimir Putin enfatizou seu interesse em tornar o agronegócio russo mais competitivo, tornando a Rússia menos dependente de importações. “A Rússia se transformará em um dos líderes do mercado global agroindustrial nos próximos anos”, afirmou Putin, na ocasião.

A elevação da temperatura média em algumas regiões da Rússia, antes consideradas impróprias para a agricultura, permitiu que novas fronteiras agrícolas fossem abertas. A estimativa é de que 57 milhões de hectares possam ser adicionados à produção agrícola até 2050. A Rússia é o segundo produtor mundial de fertilizantes nitrogenados e potássicos, com 10% e 19%, respectivamente, do mercado global. Também, responde por 7% do mercado de fertilizantes fosfatados (Folha São Paulo, em 6/3/2022). 

Eu ainda era pequeno quando ouvi um professor dizer-me que os solos mais férteis do mundo ficavam na Rússia e na Ucrânia. Nunca mais esqueci o nome deles: Chernozem. São solos escuros pela grande quantidade de húmus que contém, o que os tornam muito férteis e produtivos. Essa faixa de solo garante aos dois países protagonismo na produção e nas exportações de produtos agrícolas. Por enquanto são fortes na produção de trigo e milho e começam a salientar-se na produção de soja, hoje o produto mais exportado pelo Brasil, à Rússia.

Segundo Marcos Jank (Insper), “no curto prazo, podemos ver, de um lado, uma ameaça à segurança alimentar de diversos países que dependem de importações de alimentos e de insumos de produção e, de outro lado, produtores de grãos de concorrentes da Ucrânia e da Rússia – como é o caso do Brasil – beneficiando-se com o aumento dos preços das commodities agrícolas”.

Rússia e Ucrânia respondem por mais de uma quarta parte das exportações globais de trigo, além de serem importantes produtores de milho, cevada e girassol. Em anos recentes, dada a crescente demanda por soja no mercado internacional, essa região passou a crescer na produção de soja, com a Rússia e a Ucrânia já figurando como 8º e 9º produtores globais, com produções de 4,5 e 3,7 milhões de toneladas, respectivamente. 

Embora a Rússia e a Ucrânia não sejam parceiros comerciais preferenciais do Brasil, a Rússia é particularmente importante no fornecimento de fertilizantes. A importação de fertilizantes responde por 62% do comércio bilateral Brasil/Rússia, que, por sua vez, importa do Brasil soja, carnes, açúcar e café, entre outros produtos. 

Segundo o jornal Valor Econômico, a Rússia é o principal fornecedor de fertilizantes potássicos e nitrogenados para o Brasil. Em 2021, respondeu por 25% do produto total importado pelo País. “Uma eventual interrupção no fluxo desses produtos pelas sanções impostas aos russos, deve comprometer o fornecimento de fertilizantes ao mercado doméstico, tornando-os mais caros e afetando a capacidade dos agricultores nativos de continuar ampliando a oferta de produtos agrícolas nos próximos anos”, avalia o ex-ministro Maílson da Nóbrega, em entrevista à BBC.

Na eventualidade de a guerra estender-se por muito tempo e afetar seriamente a disponibilidade de nutrientes para o estabelecimento das próximas safras, a estratégia recomendada para o agricultor é usar racionalmente os fertilizantes disponíveis, utilizando ferramentas de agricultura de precisão e substituindo os fertilizantes químicos por biofertilizantes ou a adoção de práticas de rotação de culturas com foco na melhoria da qualidade do solo. A guerra vai acabar, visto que não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe.

Fonte: Amélio Dall’Agnol, pesquisador da Embrapa Soja

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