23
jun
2020
Manejo integrado de plantas daninhas resistentes ao glifosato

O manejo integrado de plantas daninhas (MIPD) pode ser definido pela seleção e a integração de métodos de controle e envolve um conjunto de critérios para a sua utilização, para que os resultados sejam favoráveis do ponto de vista agronômico, econômico, ecológico e social. Nesse contexto é fundamental a eficácia na seleção e no uso dos métodos de controle, observando a importância de cada um no planejamento de manejo a ser adotado na propriedade. Os principais métodos à disposição dos agricultores são preventivo (cuidados na aquisição de sementes, limpeza de máquinas e equipamentos, controle em beiras de estrada e carreadores etc.), cultural (rotação de culturas, cobertura de solo, manejo da cultura etc.), mecânico (capinas de repasse, roçada etc.) e químico (rotação e diversificação de herbicidas). Em relação ao controle químico, mais especificamente no sistema de produção de grãos, um assunto ganha cada vez mais importância: o aumento de casos de resistência de plantas daninhas a herbicidas.

Resistência é a capacidade das plantas daninhas de sobreviverem à aplicação de um herbicida, a que essa mesma população era suscetível. Trata-se de uma ocorrência natural, devido à evolução e à adaptação das espécies às mudanças do ambiente e ao uso de práticas agrícolas, principalmente a aplicação continuada de um mesmo herbicida, ou de herbicidas com o mesmo mecanismo de ação. Essa situação tem ocorrido com o herbicida glifosato nas áreas de produção de grãos, especialmente no sistema soja/milho, nas quais se utiliza quase exclusivamente o glifosato no controle químico das infestantes. Tal prática tem resultado em forte pressão de seleção de biótipos resistentes ao herbicida. No Brasil, já foi relatada a resistência a nove espécies daninhas (Heap, 2020): o caruru-palmeri (Amaranthus palmeri), o caruru-gigante (Amaranthus hibrydus), o capim-branco (Chloris elata), a três espécies de buva (Conyza bonariensis, Conyza canadenses e Conyza sumatrensis), o capim-amargoso (Digitaria insularis), o capim pé-de-galinha (Eleusine indica) e o azevém (Lolium multiflorum). Recentemente foi relatada suspeita de resistência ao glifosato de uma nova espécie, Euphorbia heterophylla, na região do Vale do Ivaí, no estado do Paraná.

Essa espécie, popularmente conhecida como leiteiro, leiteira ou amendoim-bravo, é originária de regiões tropicais, sendo encontrada principalmente em países da América Latina e no Sul dos Estados Unidos. Trata-se de uma herbácea anual, com capacidade de completar até quatro ciclos por ano, podendo atingir até 1,5m de altura. Apresenta folhas relativamente grandes, com até 10cm de comprimento, distribuídas alternadamente no caule. Essa espécie se reproduz exclusivamente por sementes, podendo produzir até três mil sementes por planta (Wilson, 1981). 

Dentre as principais características que destacam essa espécie como planta daninha estão o elevado índice de área foliar e a capacidade de elongação dos caules, fazendo com que a planta seja excelente competidora por luz (Willard et al, 1994).

A temperatura ideal para a germinação das sementes varia entre 25°C e 35°C e a presença de luz não é necessária para que a germinação ocorra (Suda e Giorgini, 2000). As sementes são relativamente grandes, entre 2mm e 4mm, o que permite a germinação mesmo em maiores profundidades no solo, assim como na presença de palha, característica do sistema de plantio direto. 

A presença de leiteiro competindo com a soja pode ocasionar perdas de 5,1kg/ha por dia de convivência, sendo o período crítico para o início de controle estimado para os 17 dias após a semeadura (Meschede et al, 2002). Estudos mais antigos já demonstraram que, caso nenhuma medida de controle seja realizada, as perdas de produtividade para a soja podem chegar a 47% (Chemale e Fleck, 1982). 

A variabilidade genética encontrada em populações de E. heterophylla é considerada elevada em comparação com outras plantas daninhas (Frigo et al, 2009). Isso significa que, plantas em uma mesma área apresentam características genéticas muito diferentes, fator que favorece a adaptação da espécie em diferentes sistemas agrícolas e, sobretudo, aumenta as chances de seleção de biótipos resistentes a herbicidas. 

No passado, notadamente antes da introdução da soja geneticamente modificada para resistência ao herbicida glifosato, essa planta daninha era considerada uma das principais infestantes da cultura da soja, para não dizer a de mais difícil controle pelos sojicultores. Isso ocorria, pois além das especificidades da espécie, a partir da década de 1990 foram selecionadas populações resistentes ao grupo de herbicidas do principal mecanismo de ação utilizado na época, os inibidores da acetolactato sintase (ALS), o que tornou o controle dessa planta daninha ainda mais difícil e complicado para os sojicultores brasileiros (Gazziero et al, 1998). 

Com o início do cultivo da soja resistente ao glifosato no País, o controle das populações de E. heterophylla foi muito facilitado, pois esse herbicida passou a ser aplicado duas a três vezes na pós-emergência da cultura. Essa situação também ocorreu na propriedade onde surgiu o relato de escape de controle de leiteiro ao glifosato, na região do Vale do Ivaí, Paraná, desde a safra 2008/2009. A partir da safra 2017/2018 o produtor observou a sobrevivência de algumas plantas dessa espécie após as aplicações de glifosato, nas doses recomendadas. Na safra 2018/2019, a equipe técnica da Cocari - Cooperativa Agropecuária e Industrial, responsável pela assistência técnica a esse agricultor, comunicou a equipe de plantas daninhas da Embrapa Soja sobre a situação, sendo iniciado a partir de então um trabalho para avaliação do caso, seguindo o protocolo para relato de casos de resistência de plantas daninhas a herbicidas, proposto pelo Comitê de Resistência da Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas e do Comitê de Ação a Resistência de Herbicidas do Brasil (HRAC-BR).

Primeiramente foi realizada nova aplicação de glifosato na área suspeita, com a dose e a tecnologia de aplicação recomendadas, sendo que as plantas de E. heterophylla novamente não foram controladas pelo glifosato. Na sequência, sementes dos biótipos sobreviventes no campo foram coletadas e levadas para a Embrapa Soja, em Londrina, Paraná, onde foi realizado o primeiro experimento em casa de vegetação, no esquema de dose resposta ao herbicida glifosato. Posteriormente, um segundo experimento foi realizado com as sementes das plantas sobreviventes desse experimento inicial (geração F2), e um terceiro estudo com as sementes coletadas do segundo experimento (geração F3), sempre comparando a população suspeita com uma população suscetível ao glifosato, cujas doses estudadas do herbicida foram (g e.a./ha): 0, 130, 270, 570, 720, 1.080 (padrão), 1.440, 2.160, 4.320, 8.640, 17.280, aplicadas no estádio de quatro folhas verdadeiras. 

Os resultados confirmaram a suspeita de que a população é resistente ao glifosato. O fator de resistência foi de 4,74 para a dose de controle de 50% da população suspeita em relação à suscetível (DL50) e de 3,30 para a redução da biomassa da população suspeita em relação à suscetível (GR50). 

Além do trabalho de constatação da resistência, foram realizados estudos sobre alternativas de manejo dessa espécie, tanto em casa de vegetação quanto no campo. Também foram discutidas com a gerência técnica da Cocari, responsável pela assistência técnica da área e parceira nos trabalhos, as ações de monitoramento, mitigação e manejo desse novo caso, de forma a manter esse problema de resistência restrito a essa única área, evitando, portanto, a disseminação. Complementarmente, estudos sobre a identificação do mecanismo de resistência, estão sendo realizados em ação conjunta com a Universidade Estadual de Maringá e a Colorado State University. 

A constatação desse novo caso de resistência reforça a certeza de que, em qualquer sistema de produção agropecuária, a prevenção e a solução do problema devem ser sempre baseadas nos conceitos básicos do manejo integrado de plantas daninhas.

Fonte: Grupo Cultivar

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