Com o fim da safra de verão e o início do ciclo de inverno, ressurge a eterna discussão sobre o trigo. A falta de uma política pública de apoio ao cultivo preocupa o setor produtivo e pode comprometer o abastecimento interno. Em tese, o preço do cereal seria o grande estímulo para ampliar o plantio e a produção em 2016.
Desde o início de março o produto sustenta cotação média de R$ 39 a saca de 60 quilos. O valor é 29% maior que o preço médio pago ao produtor em março de 2015. Ocorre que a redução no valor da subvenção ao seguro e a concorrência com o milho, que segue com o preço nas alturas, pode reduzir a área destinada à cultura em 2016. Os dois cereais disputam área no inverno.
Menor área significa menor produção e maior dependência externa do produto. E não é uma dependência qualquer. No ano passado a necessidade de importação foi igual ao volume produzido no país. Um ano mais, outro ano menos, o fato é que a relação de oferta e demanda deixa o Brasil cada vez mais frágil e na berlinda.
E não é que a falta de uma política para o trigo pode comprometer. Na verdade, já compromete o abastecimento e a segurança alimentar. De um lado os números, que revelam uma dependência mais do que perigosa da importação. De outro, a ausência do governo na definição de uma política nacional, concreta e duradoura que possa estimular, retomar e ampliar a produção.
No ano passado o Brasil produziu quase 6 milhões de toneladas, para um consumo superior a 10 milhões de toneladas. Um déficit que atingiu 4,5 milhões de toneladas e uma dependência de importação que ultrapassou os 40% do consumo. No ano passado importamos 5,6 milhões e exportamos 1,8 milhão toneladas. Por conta de problemas com o clima, parte da produção nacional não atingiu índice de qualidade e foi embarcada para ser utilizada para outros fins, entre os quais a ração animal.
A falta de um horizonte claro para a cultura afeta sobremaneira o sul do país, que concentra mais de 90% da produção nacional. Em 2015, dos 2,4 milhões de hectares cultivados, 1,3 milhão estava no Paraná e outros 860 mil no Rio Grande do Sul. O cultivo da safra atual já começou sem que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tenha definido as regras da safra de inverno.
Uma das principais reivindicações é o reajuste do preço mínimo, de R$ 583 para R$ 665 a tonelada. Tudo bem que na cotação atual o setor não vai precisar recorrer à política de preço mínimo para a comercialização. Isso, mais uma vez em tese, porque assim como soja e milho, o trigo também tem como referência o mercado o internacional. A formação de preço é em dólar e o câmbio é determinante na definição de preço no mercado interno. E vale lembrar que somente em março o dólar sofreu desvalorização de 10% e perdeu R$ 0,40 frente ao Real.
Ainda no primeiro semestre do ano passado, quando esteve no Paraná, a ministra da Agricultura e Pecuária Kátia Abreu solicitou ao setor que apresentasse uma política consistente e estratégica para o trigo no Brasil. Alguns meses depois a cadeia produtiva do setor elaborou e encaminhou uma proposta que poderia até não ser a ideal, mas com certeza representava um avanço em busca de uma política perene e permanente de apoio à triticultura nacional.
A proposta foi e pelo jeito ficou em uma das gavetas do Mapa. Os representantes do setor tentaram, mas não foram recebidos para discutir o assunto. Hoje, quase um ano depois, nada de política e nada de audiência. O que se tem de concreto é a possibilidade de uma nova redução na área e produção, com o risco de a necessidade de importação ser maior que a produção interna.
Além do reajuste do preço mínimo, entre as principais reivindicações do setor está a subvenção federal ao prêmio do seguro rural. A participação do governo foi reduzida de 70% para 55% do prêmio. No caso do Paraná, que responde por mais da metade da produção nacional, os produtores têm a garantia de apoio do governo do estado, que no ano passado contribuiu com metade dos 30% restantes da subvenção.
Em uma conta simples, na safra anterior o governo federal pagava 70% do prêmio, o governo do estado 15% e o produtor ficava com 15%. Neste ano, com a subvenção federal reduzida a 55%, a expectativa é que o estado pague 22,5% e o produtor outros 22,5% dessa conta. A participação do governo do estado ainda não foi anunciada oficialmente, embora o setor tenha como certo esse apoio.
Mas por que a discussão é sensível e a falta de diálogo com o Mapa, assim como a demora na definição de uma política ao setor, pode ter efeitos nocivos ao agronegócio e à economia do país? Porque não estamos falando de commodity. Trigo é pão. É dieta básica da população. É abastecimento e segurança alimentar. É questão de soberania. E precisa ser tratado como tal. Porque se continuar assim, o pão vai ficar mais caro. E pão mais caro, é mais inflação.
Fonte: Gazeta do Povo
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