O milho é considerado o principal concorrente do trigo na safra de inverno. Com a colheita da soja mais cedo, os produtores tendem a destinar as lavouras para o "milho safrinha". Porém o cereal vem enfrentando um sério problema: a infestação da cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis), que chegou a provocar quebra de cerca de 50% em algumas áreas do norte do Paraná. Nesta entrevista, o pesquisador da Embrapa Soja, Walter Meirelles, faz uma avaliação agronômica e de mercado dos dois cereais. Confira!
1- Você acredita que, com a infestação da cigarrinha no milho, o produtor vai optar pelo trigo?
Acredito que haverá espaço para as duas culturas. Logicamente temos épocas e regiões distintas para o plantio do "milho safrinha" e para o trigo. Por exemplo: enquanto o trigo tem boa adaptação a regiões mais ao sul do país, o milho safrinha se comporta bem da metade do Paraná para cima, ou seja, nas regiões mais quentes, com menor risco de geada no outono/inverno, por exemplo. Nas regiões de maior altitude também há risco de maior frio para o milho, sendo que o ideal nestes casos seria o plantio de milho de verão, plantado no cedo, geralmente em setembro, quando as médias de produtividade são bem maiores que na safrinha, resultando em maior receita líquida ao produtor. Minha sugestão é que o produtor faça pelo menos 5% de área de milho no verão, em rotação com a soja, para experimentação, se nunca praticou este sistema. Na região localizada do sul do Paraná para baixo, é comum utilizar o milho em cerca de 20-25% da área no verão, mesmo onde a preferência comercial é pela soja. Este número por si só, já explica a importância da rotação de culturas.
2- A rotação de culturas pode ser uma boa alternativa quando uma cultura vem apresentando muitas pragas e doenças?
Sim, a rotação pode e deve ser praticada sempre. É uma das mais antigas práticas agronômicas, sempre com bons resultados. A simples rotação de soja com milho, no verão, pode aumentar a produtividade da soja em 5%, sem nenhum custo adicional de produção. Mas, existem muitas espécies que podem ser usadas em rotação, com diferentes propósitos, dependendo da região e da época de plantio. Por exemplo: as crotalárias, o tremoço, a ervilhaca, para fixação biológica de nitrogênio-FBN (adubação verde) e eventual controle/manejo de nematoides; o nabo forrageiro, para descompactação do solo; o trigo mourisco ou trigo sarraceno, para reciclagem de nutrientes; a aveia, com seu efeito alelopático contra ervas daninhas; são alguns dos exemplos mais comuns de rotação de culturas.
3 - Quais plantas de cobertura são as mais indicadas?
Atualmente, é muito conhecido do agricultor o uso dos "mix" de plantas de cobertura de inverno, que são misturas de sementes de espécies diferentes, cada uma com um propósito, para ajudar na melhoria do solo e do sistema de produção como um todo. Exemplos: aveia com nabo; trigo mourisco com aveia; braquiária com trigo mourisco; etc.
Lembrar que para produção de uma boa palhada, precisamos de uma gramínea. Assim, o uso de braquiárias no sistema de Integração Lavoura Pecuária-ILP, com seu agressivo sistema radicular, é de longe uma das mais importantes tecnologias que podem ser empregadas pelo agricultor para atuar como palhada de cobertura do solo com pelo menos quatro principais funções: o controle/redução da erosão; a manutenção/preservação da umidade no solo, que favorece a atividade microbiológica do solo, ou seja, a vida do solo (favorecendo inclusive a infiltração de água no lençol freático); a reciclagem de nutrientes devido a seu agressivo e volumoso sistema radicular, que penetra até as camadas profundas do solo e traz nutrientes à superfície para serem aproveitados pelas culturas anuais; e, principalmente, a redução do banco de sementes de ervas daninhas, o que faz da braquiária uma ótima ferramenta para uma agricultura mais sustentável, pois pode até reduzir o uso de herbicidas.
A pesquisa com ILP no Brasil teve início na Embrapa nos anos 1970 na região Centro-Oeste e hoje é uma das grandes bandeiras da agricultura sustentável dentro do sistema de plantio direto, uma revolução em nossa agricultura que hoje é espelho para vários países. A ILP é um novo e fundamental avanço no sistema de plantio direto, porque diminui uso de determinados defensivos químicos, reduz custos, minimiza prejuízos, aumenta produtividade e impulsiona nossa agricultura no caminho da tão sonhada sustentabilidade.
4- Se o preço do trigo se mantiver elevado, os produtores podem optar pelo trigo ao invés do milho?
Hoje, no mundo, tanto o preço do trigo, como do milho está atrativo, assim como o da soja, certamente também está. São a base da alimentação humana mundial e da produção de carnes, seja de aves, suínos, peixes e até bovinos. Assim, temos oportunidades para o plantio das duas culturas, respeitando sempre a adaptação ambiental, a indicação de cultivares pelo melhoramento, a boa época de plantio, o sistema de rotação de culturas, etc.
5 - A incidência dos enfezamentos pode afetar a tendência de plantio de milho pelo agricultor?
No caso da incidência de cigarrinha e enfezamento, pode haver uma tendência de se plantar mais trigo onde o enfezamento está mais acentuado. Porém, como já está presente em todas as regiões produtoras de milho do país, não há por onde escapar. Entretanto, existem medidas preventivas que podem minimizar o problema, isto é o que o agricultor deve entender: precisamos manejar e saber conviver com a doença chamada enfezamento.
6- Cite algumas destas importantes práticas de prevenção.
Destacarei as mais comuns: 1) a eliminação de plantas tigueras/plantas guaxas, que são plantas voluntárias que podem hospedar a cigarrinha, percevejos, e até os próprios microrganismos que causam os dois tipos de enfezamentos; 2) uso de cultivares/híbridos mais tolerantes, seguindo a recomendação das próprias empresas detentoras da semente; uso de tratamentos químicos na semente, que ajudam a reduzir a incidência do inseto-vetor, a cigarrinha Dalbulus maidis (com recomendação técnica de um agrônomo consciente - lembrando que, se tiver uso de produtos químicos, o menor risco ao ambiente é o de tratamento da semente, pois este ganha de qualquer pulverização em área total); 3) evitar plantios muito tardios, que se prejudicam com a “ponte verde”, que leva insetos de lavouras mais velhas para as mais recentemente plantadas; e 4) dentre várias outras medidas preventivas, a própria rotação de áreas e de culturas, pode ajudar a minimizar as perdas por enfezamento do milho.
7 - Todas estas medidas podem minimizar os danos dos enfezamentos?
Por certo existem muitos outros fatores relacionados, que contribuem para um melhor escape das plantas ao enfezamento, tais como: a redução da compactação do solo, que favorece o bom desenvolvimento radicular e reduz efeitos do estresse hídrico; uma boa e equilibrada nutrição da planta; uma população de plantas adequada; semeadura em época mais apropriada, evitando o plantio muito tardio; o uso de bons e recomendados inoculantes; uma boa condição de palhada no plantio direto; etc., fatores esses que fazem com que as cultivares suportem melhor o estresse causado pelos “distúrbios fisiológicos” decorrentes dos danos ao sistema vascular das plantas infectadas pelos patógenos causadores do enfezamento.
8- Qual a expectativa de mercado para essas duas culturas (trigo e milho) em 2022?
As expectativas são muito boas para ao agronegócio brasileiro, o mercado mundial está carente de soja, milho, trigo e carnes. A alta no poder aquisitivo chinês tem levado a uma maior demanda por proteína/carne. Esse mercado está em expansão. Recentes problemas climáticos com a safra de trigo na Índia e o vazio produtivo com a guerra da Ucrânia, país grande produtor de grãos na Europa (5º produtor mundial de trigo e 6º maior produtor mundial de milho), têm contribuído para um agravante quadro de desabastecimento global na produção agrícola, que se reflete na inflação de muitos países. Felizmente, o Brasil é exportador de grãos e não tem sofrido seriamente com a escassez de alimentos na prateleira de supermercados, como já ocorre em algumas partes do mundo.
9 - Como o senhor avalia o atual cenário do agronegócio?
Vamos fazer uma análise macro. A pandemia do Coronavírus criou situações de paralisação de alguns mercados, depois tivemos a crise gerada pela guerra da Ucrânia, que ainda continua, depois veio a crise de oferta de fertilizantes e de transporte marítimo, aliado a crise energética e do petróleo, além da continuação de lockdowns, chegando até ao fechamento de fábricas na China. Assim, vivenciamos hoje uma alta desenfreada da inflação em vários países do mundo, aliada a um desabastecimento de peças, componentes industriais e até de alimentos nas prateleiras. Ou seja, os problemas mundo afora culminaram em oportunidades para o agronegócio produzir mais e o Brasil é um dos únicos países do mundo, que pode socorrer a fome no mundo com produção de alimentos, seja aumentando sua produtividade (que ainda pode ser aumentada, principalmente em milho), seja usando áreas de recuperação de pastagens, sem derrubar um único metro quadrado de vegetação nativa.
O Brasil está surpreendendo positivamente o mundo e vai surpreender ainda mais, porque temos terras em abundância, clima favorável para mais de um cultivo por ano e estamos melhorando a passos largos nossa infraestrutura e logística, com ampliação de rodovias asfaltadas, construção de ferrovias e melhoria nos portos, visando a exportação. Também há uma demanda crescente por alimentos orgânicos, que reforçam a imagem de uma produção mais sustentável e de um alimento mais saudável. A pandemia acentuou esta percepção por parte da população mais consciente do aspecto da saúde. Tanto milho, como trigo, podem crescer nesse cenário, não só em 2022, mas também nos próximos anos.
Saiba mais em: http://www.fundacaomeridional.com.br/lista-informativos/80/80.pdf
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