No ano de 1995, nos Estados Unidos da América, por meio da inserção do gene cp4-epsps da bactéria Agrobacterium sp., originou-se o que se denomina atualmente como soja resistente ao glifosato, soja Raundup Ready ou simplesmente soja RR. Por volta dos anos 2000, a soja RR chegou de forma ilegal (saca branca) ao Brasil, principalmente via fronteiras com a Argentina e o Paraguai. Rapidamente caiu no gosto do produtor e a pressão por sua regularização aumentou. Argumentava-se neste período que o controle de plantas daninhas era beneficiado, e espécies que apresentavam grandes dificuldades de controle, como leiteiro (Euphorbia heterophylla), picão-preto (Bidens pilosa) e corda-de-viola (Ipomoea spp.), eram facilmente controlados com a utilização do glifosato em pós-emergência da cultura e da planta daninha. Finalmente, no ano de 2005, a soja RR é legalizada quanto à sua comercialização e semeadura no Brasil, e atualmente o País é detentor do recorde de maior área plantada do mundo, com 34,86 milhões de hectares, superando os Estados Unidos, que apresentam área de 34,09 milhões de hectares.
No começo, o produtor ganhava janela de controle, pois era difícil a planta daninha escapar quanto ao estádio de controle, uma vez que o herbicida glifosato tem ação sistêmica e não seletiva. Ainda, resultava em menor custo de produção, pois o herbicida glifosato apresenta baixo custo por área e propicia menor entrada de maquinários e maior capacidade operacional no momento da colheita. Logo depois, outras culturas tiveram sua genética modificada para conferirem a tolerância ao inibidor da EPSPs glifosato, como o milho, o algodão e a canola. Desta forma, há atualmente em algumas áreas a sucessão de culturas que apresentam em sua genética a tolerância ao mesmo mecanismo de ação de controle de plantas daninhas.
Na região Centro-Oeste, por exemplo, convencionou-se realizar a sucessão soja RR/milho RR ano após ano, o que gerou dependência do uso do herbicida glifosato. Esta dependência e a simplificação do sistema de controle de daninhas certamente não culminariam em resultados positivos. É preciso sempre lembrar que, os organismos vivos, sejam plantas daninhas, insetos ou fungos/bactérias/vírus, apresentam variabilidade e podem apresentar em suas populações, indivíduos que sejam naturalmente resistentes a determinado mecanismo de ação de controle.
Logo, o foco quase único e exclusivo do controle de plantas daninhas com glifosato acarretou na seleção de algumas espécies resistentes, como azevém (Lolium multiflorum), buva (Conyza spp.), capim-amargoso (Digitaria insularis) e, mais recentemente, em março de 2019, comunicado da Embrapa identificou a resistência presente em indivíduos de leiteiro (Euphorfia heterophylla). Esta última apresenta importância ímpar, pois é de difícil controle por herbicidas e demonstra, agora, biótipos com resistência cruzada aos mecanismos de ação ALS e Protox, além dos inibidores da EPSPs. Seu controle assim fica dificultado a campo e as opções de mecanismos de ação de herbicidas que a controlam, estão cada vez mais escassas. Fica claro que, com a continuada dependência do uso de glifosato, as plantas resistentes aumentarão em espécies e em quantidade de indivíduos, logo, o produtor poderá optar por aumentar a dose de glifosato, maior que aquelas recomendadas em bula que controlam em primeiro momento. Dessa forma, agrava-se o problema. Outra alternativa é aliar o uso do glifosato com outros mecanismos de ação presentes. Devido a ainda eficiência e ao baixo custo, o uso de glifosato vai continuar nas lavouras.
Neste contexto, herbicidas que tinham sido drasticamente “excluídos” do sistema produtivo de soja, retornam à composição de manejo, para o controle de indivíduos resistentes. De modo geral, tem-se observado a utilização de herbicidas pré-emergentes (diclosulam, sulfentrazone etc.), além da associação do glifosato com latifolicidas (2,4-D etc.) ou graminicidas (cletodim, fluazifop-P-butil etc.), bem como a associação do glifosato com herbicidas seletivos à soja (clorimuron, imazethapyr etc.). Estas associações e usos variam conforme a flora presente e resistente em cada área.
Além do uso de diferentes mecanismos de ação, a estratégia de manejo deve ser modificada. Claro exemplo é o controle de buva em soja RR. O melhor manejo desta daninha consiste em seu controle em estádios iniciais no período de entressafra. É pouco recomendado o manejo da buva na pós-emergência da soja, devido às poucas opções de herbicidas que podem ser utilizadas (Tabela 1) e ao estádio de desenvolvimento da planta daninha. Da mesma forma, o melhor manejo de capim-amargoso se faz em estádios iniciais, antes do processo de “entouceiramento”. Após este processo, pode ser necessário conciliar manejo mecânico (roçagem) com a utilização de herbicidas graminicidas na pós-brotação.
Fica óbvio que a incorporação de mecanismos de ação e estratégias de manejo pode encarecer o sistema produtivo. O custo de controle em áreas com capim-amargoso resistente ao glifosato em estádio de desenvolvimento avançado pode aumentar em 290% e se houver infestação simultânea de buva, o valor pode ser 403% maior. O capim-amargoso, por exemplo, apresenta dificuldades de controle com graminicidas (fenoxaprop e haloxyfop) e seu controle tardio pode demandar aplicações sequenciais que envolvem uma primeira aplicação com herbicidas sistêmicos (exemplo: glifosato e graminicidas) e aplicações sequenciais com herbicidas de contato (glufosinato de amônio e paraquate).
Diante disto, a soja convencional está em expansão devido às comparações entre o lucro de produção nas áreas agrícolas. A soja convencional está sendo bonificada em média R$ 7,76 por saca, devido principalmente ao mercado consumidor, com alta demanda por produto livre de transgenia. Desta forma, apesar dos custos de produção serem relativamente mais altos, os valores de venda também são mais valorizados. Cabe ressaltar, ainda, que a produção da soja convencional possui programas de financiamento, o que ajuda a tornar a produção mais rentável.
Já com relação ao custo total de implantação da cultura da soja observa-se para a safra 2020/21 um valor estimado em R$ 3.990,60 e R$ 4.102,84 por hectare (Tabela 2), respectivamente para a soja transgênica e a soja convencional (Imea, 2020).
Exemplo vantajoso é demostrado na Tabela 3, onde os lucros são obtidos pelo cálculo da simulação da colheita, sendo que, para a safra 2019/2020 espera-se uma produtividade média de 52,1 sacas por hectare. Os lucros da soja convencional foram estimados em R$ 757,30 e da soja transgênica em R$ 677,14 por hectare. Apesar das despesas da soja convencional serem maiores (Tabela 2) e sua produtividade ser levemente menor (Imea, 2020), o pagamento da bonificação sobre o grão no valor médio de R$ 7,76 por saca, torna a sua lucratividade por hectare maior.
A soja RR foi desenvolvida para resistir ao herbicida glifosato, reduzir o número de aplicações de herbicidas durante o ciclo da cultura, facilitar o manejo e reduzir os custos. Sua utilização sucessiva, no entanto, selecionou espécies resistentes e atualmente seu uso único como medida de controle já não é eficiente, logo, o produtor deve optar por outros mecanismos de ação, o que tende a encarecer o manejo. Observa-se, assim, que a soja RR gera ganhos de manejo somente nos primeiros anos, pois o uso contínuo do glifosato predispõe o desenvolvimento de plantas daninhas resistentes. E, a partir do quarto ano, a lavoura transgênica exige o mesmo trato cultural das variedades convencionais ou quantidades até maiores de herbicidas.
Observa-se, ainda, pressões pelo mercado consumidor e importador, que estimulam as bonificações do produto convencional em momento de venda. Pode-se chegar, assim, a rentabilidades de até 10,6% maior (Tabela 3), quando da utilização de soja convencional. É claro que o glifosato irá continuar a ser peça-chave no sistema produtivo das mais variadas culturas, mas é hora de colocar na ponta do lápis a viabilidade do uso exclusivo de cultivares que apresentem resistência a esse herbicida.
Emerson Trogello, UFV; Giovana Cândida Marques, Lucas Luis Faustino e Ana Caroline de Araújo, Instituto Federal Goiano
Fonte: Grupo Cultivar
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