12
nov
2012
Cadeia do trigo precisa ser reestruturada

Brasil necessita de alternativas para avançar em qualidade, volume e comercialização adequada

Nos últimos anos, o trigo no Brasil vem enfrentando cada vez mais dificuldades. Diante de preços muito elevados para o milho, os produtores do Paraná preferem o milho safrinha ao cereal. Além disso, e particularmente no Rio Grande do Sul, a redução na produção se dá mais uma vez em função do clima, que desta vez prejudicou muito a atual safra gaúcha. Frente a este cenário, no Dia Nacional do Trigo (10 de novembro), o Portal Agrolink mostra como está o cenário atual de produção e mercado deste cereal essencial para o país.

Nesta safra, a produção vai ser menor que a anterior. Os motivos são os mesmos: a redução da área no Paraná e o clima adverso afetaram o rendimento. Para o colunista do Agrolink e economista, Dr. Argemiro Brum, as perdas, considerando físicas e de qualidade, se aproximam de 60% em grande parte das regiões produtoras do Rio Grande do Sul. “Assim, a produção final do Brasil pode ser ainda menor do que o projetado até aqui, ficando entre 4,0 e 4,5 milhões de toneladas”, calcula Brum.

As últimas estimativas privadas dão conta de 4,5 milhões de toneladas, sendo 2,1 milhões no Paraná e 2,2 milhões no Rio Grande do Sul. Porém, dentro desse volume há muito trigo de baixa qualidade. Um deles é o triguilho, usado para ração animal e que tem pouco valor de mercado, fato que prejudica muito o produtor e reduz ainda mais a real safra nacional do cereal.

A produção no Brasil abastece apenas a metade da demanda, que é de cerca de 10 milhões de toneladas. Para o Chefe Geral da Embrapa Trigo, Sergio Roberto Dotto, existe área para a expansão e tecnologia de ponta comparada a qualquer país grande produtor. Ele explica que, em comparação com grandes países produtores, como a França, o frio não permite outras opções de cultivo, assim o trigo é dominante no inverno. “Aqui no Brasil produzimos principalmente no Sul porque o clima temperado é mais adequado. No Brasil Central, outros cultivos mais rentáveis são desenvolvidos no inverno, como milho safrinha, hortaliças e outros”, esclarece.

Entretanto, os fatores que impedem o crescimento da cultura no Brasil estão relacionados a logística e acertos comerciais no Mercosul. Quanto à logística, há um ano e meio está sendo discutida, no governo federal, uma política para o setor portuário. Um dos desafios é viabilizar o transporte de cabotagem. Para Dotto, “a marinha mercante tem exclusividade no transporte pela costa brasileira. Ampliar o acesso pode baratear os custos no transporte”, comenta.

O Chefe Geral destaca que a comercialização ainda é o gargalo. O trigo não tem liquidez porque depende sempre do mercado e do preço das importações no momento da colheita. Outra questão é o preço mínimo, que nem sempre condiz com os custos de produção. E, por último, a armazenagem deficiente que não deixa espaço para a negociação entre fornecedores e compradores em busca do melhor momento de vender a produção.

De acordo com Argemiro Brum, se a cadeia tritícola nacional funcionasse corretamente, isto é, em defesa do produto, com todos os elos buscando valorizar o produto nacional, mesmo tendo como referência o produto externo, seria possível obter mais estímulo ao plantio. “Todavia, a cadeia é dominada pelos grandes moinhos, que dão preferência ao produto estrangeiro, mesmo o trigo nacional tendo melhorado muito em qualidade nos últimos anos. Isso pode ser explicado em muito pelas vantagens comerciais que os mesmos possuem em relação ao trigo de fora”.

Produção com mais qualidade

Apesar do cenário atual, Sergio Dotto lembra que o Brasil dispõe de uma das melhores tecnologias de produção do mundo, enfrentando desafios de solo, clima, pragas e doenças que não existem em outros países produtores. “Nossas cultivares são resistentes a algumas doenças que ainda nem foram registradas no Brasil. Antecipamos cenários com pesquisas avançadas de trigo resistente a seca e pragas monitoradas em todo o país”, diz.

A Região Sul concentra 97% da produção nacional. Nos últimos anos, Paraná e Rio Grande do Sul praticamente se equivalem. Em quatro décadas, a produtividade média saltou de 800 kg/ha para 2.700 kg/ha. Médios produtores mantêm 5 mil kg/ha nos últimos anos.

A qualidade passou a ser requisito nos últimos 20 anos. Hoje, 90% das cultivares disponíveis no mercado atendem a demanda por trigo pão. Há material genético para 10 toneladas por hectare, mas os custos de produção nem sempre compensam. “Se hoje temos problemas de liquidez com 5 milhões de toneladas, antes de aumentar a produção precisamos garantir o mercado consumidor”, observa.

Incentivo à cultura

Vencidas muitas barreiras tecnológicas na produção do cereal, a Embrapa Trigo trabalha voltada a fortalecer o relacionamento entre os elos da cadeia. “Estamos atuando junto a grupos organizados, como câmaras setoriais estaduais e federais, eventos, reuniões com sindicatos rurais, cooperativas e indústria para alinhamento na produção. Ainda, formalizamos projetos de pesquisa e transferência de tecnologia em parceria com extensão e as OEPAs, organizações estaduais de pesquisa, além de associações organizadas de produtores”, conta Dotto.

O Cerrado é visto pela Embrapa como a terceira região produtora de trigo no país, logo atrás do Sul (RS, SC e PR) e do Centro-Sul (norte PR, MS e SP). Vários fatores mostram a oportunidade do trigo no Cerrado: possibilidade de duas safras (irrigado e sequeiro), qualidade melhorada, proximidade com centros consumidores, ausências de variações climáticas intensas, controle de pragas e doenças na rotação de culturas.

Perspectivas

Para o Chefe Geral da Embrapa Trigo, Sergio Roberto Dotto, ainda é muito cedo para fazer qualquer previsão. “Estamos atravessando uma variação muito rápida no preço das commodities. Um cenário desfavorável para a próxima safra de inverno certamente será a escassez de sementes devido a perdas nas lavouras multiplicadoras de sementes de trigo”, diz. De qualquer modo, acrescenta ele, “os prejuízos deste ano não devem implicar em redução de área em 2013, porque o preço alto serve de estimulo. Outro motivo é o preço do milho que está baixando e as lavouras de safrinha do Paraná que ocuparam o lugar do trigo neste ano deverão voltar a ser ocupadas pelos trigais na rotação de culturas”.

Já o economista Argemiro Brum diz que por falta de alternativas interessantes e rentáveis, salvo exceções em alguns anos, o trigo continua sendo cultivado no Sul do país, porém, não deve sair dos volumes consolidados atualmente. Ou seja, em condições normais de clima, entre 5 e 6 milhões de toneladas, para uma demanda nacional perto de 11 milhões de toneladas no momento.

Apesar dos problemas enfrentados pelos produtores ao longo de sua história, o trigo ainda continua sendo uma das principais alternativas de cultivo no inverno com importância no cenário nacional e um cereal indispensável na alimentação. Fora problemas de ordem climática, armazenagem e transportes deficientes, o fator mercado tem sido apontado como principal causa dos altos e baixos no cultivo. O momento exige a união da cadeia na busca de alternativas para o setor avançar em qualidade, produtividade e logística.

“Gosto muito da defesa do trigo pelo ex-presidente Getúlio Vargas, o qual afirmava que um país que não tem autosuficiência em trigo não é um país livre. O trigo deve ser visto como um produto de segurança nacional pela importância na alimentação do povo. Precisamos lembrar que o trigo é um produto importante, um alimento indispensável na vida do brasileiro que aumentado o consumo per capita a cada ano. O trigo também é tecnicamente e economicamente viável, mas para isso precisamos enxergar a cultura como as outras que demandam investimento e planejamento num sistema que não encerra a cada safra, mas traz sustentabilidade na produção de grãos a longo prazo”. (Sergio Roberto Dotto).

“A cadeia do cereal precisa ser reestruturada a fim de que a produção nacional avance em qualidade, volume e comercialização adequada. A mesma não pode ficar marginalizada em relação ao produto do exterior, servindo apenas de garantia "tapa-furo" quando o mercado externo enfrenta problemas. Além disso, a produção nacional deve consolidar canais de exportação crescentes, pois o mercado mundial é interessante e não se pode ficar dependendo da boa vontade dos moinhos para vender o produto ao mercado interno. Para tanto, políticas oficiais de apoio ao escoamento devem ser mantidas. Além disso, continuar avançando na qualificação da produção, onde o governo igualmente deve estabelecer critérios definitivos e coerentes com a realidade do mercado, evitando mudá-los a cada ano que passa”. (Argemiro Brum)

Autor: Janice Gutjahr e Joana Cavinatto

Fonte: Agrolink
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