Condições favoráveis de mercado, associadas a um amplo portfólio de tecnologias, têm motivado os produtores a investir para aumentar a produtividade e também a expandir a área cultivada com soja. Tendo em vista as limitações legais para o avanço da cultura em novas áreas, bem como os baixos preços e a dificuldade de armazenagem do milho safrinha, tem crescido o interese dos produtores pelo cultivo da soja na segunda safra (safrinha), principalmente em suscesão à soja, ao milho e ao feijão comum. É importante salientar que ainda faltam informações oficiais a respeito da área de cultivo de soja na safrinha e de seu crescimento nos últimos anos. A pesquisa alerta que a soja cultivada na safrinha, especialmente em sequência a outra lavoura de soja (soja sobre soja), apresenta problemas fitossanitários agravados pela maior presença de inóculo de doenças, principalmente de ferrugem asiática e de nematoide de cisto. Mas também podem ser agravadas as doenças causadas por fungos de solo e por outros nematoides, além do ataque por artrópodes pragas, especialmente percevejos, mosca-branca, lagartas heliotinae, como a Helicoverpa armigera (Hubner), ácaros e percevejo castanho.
Ressalta-se que esses problemas tendem a se tornar mais graves também na soja da safra normal. Mesmo considerando as situações em que a soja for cultivada na safrinha sobre outra cultura, sua presença no agro ecossistema será estendida por mais tempo. Insetos pragas de parte aérea que tenham mais afinidade com essa planta passarão a ter uma disponibilidade de alimento mais prolongada, o que favorecerá sua ocorrência e multiplicação. Além disso, o processo de seleção de insetos resistentes às táticas de controle (inseticidas ou plantas Bts) também será acelerado, pois essas tecnologias de controle serão as mesmas em ambas as safras e, portanto, exercerão pressão de seleção por mais tempo. Vale ressaltar que a intensidade deses efeitos negativos será diretamente relacionada ao tamanho da área que a soja vier a ocupar na segunda safra (quanto maior a área ocupada, mais graves e intensos serão esses problemas).
Outra preocupação é com o controle de plantas daninhas e/ou plantas espontâneas da cultura anterior. Adicionalmente, salienta-se que as condições climáticas no período de cultivo da soja safrinha, como por exemplo, precipitações pluviais, temperatura do ar e comprimento do dia, não são as ideais para obtenção de altas produtividades, considerando as cultivares disponíveis no mercado. Ao mesmo tempo, há falta de informações básicas a respeito do manejo da soja durante a safrinha, desde população de plantas e adubação até o controle de pragas e doenças. Todos esses fatores fazem com que a produção de soja na safrinha se constitua em uma atividade de alto risco para o produtor, o que pode inviabilizar não só a soja safrinha, mas a soja da safra também.
Em visitas realizadas a diversas lavouras de soja safrinha, nos Estados do Paraná (2012 e 2014) e do Mato Groso (2014), pesquisadores verificaram a alta incidência da ferrugem, iniciando no período vegetativo da cultura, com a realização de até oito aplicações de fungicidas, sem controle eficiente da doença. A incidência da ferrugem no estádio vegetativo ocorre em função da grande quantidade de esporos do fungo Phakopsora pachyrhizi, multiplicados na safra, que se disseminam para os cultivos de soja safrinha.
Essa situação é semelhante à das lavouras semeadas após cultivos sob pivô central no inverno, antes da implantação do vazio sanitário. O vazio sanitário foi implementado visando eliminar o hospedeiro durante o período de entressafra e reduzir a incidência da doença no período vegetativo na safra, reduzindo a necessidade de fungicidas nessa fase. Os dados do Consórcio Antiferrugem mostraram que a estratégia deu o resultado esperado, pois já no primeiro ano de implantação, o primeiro foco de ferrugem em Primavera do Leste-MT foi relatado 30 dias mais tarde em relação à safra anterior.
Os fungicidas utilizados no controle da ferrugem pertencem a três grupos químicos, os inibidores de demetilação (DMI), os inibidores de quinona oxidase (QoI) e, a partir de 2013, a nova geração de moléculas inibidoras da sucinato desidrogenase (SDHI). Todos esses fungicidas são sítio-específicos e possuem risco de resistência. Populações de P. pachyrhizi menos sensíveis aos DMIs foram observadas no campo a partir de 2007. A partir de 2008, somente misturas de DMI e QoI têm sido recomendadas para controle da ferrugem. Os fungicidas QoI, apesar do baixo risco de resistência completa a P. pachyrhizi, possuem baixa eficiência de controle quando utilizados sozinhos, sendo recomendados somente em misturas a partir de 2004. Por sua vez, os fungicidas SDHI apresentam risco com grau médio a alto de resistência e estarão sendo vendidos por diferentes empresas.
Esses produtos exercerão grande pressão para resistência apesar de estarem sendo comercializados somente em misturas com fungicidas QoI. A mistura como estratégia anti- resistência só é efetiva quando os princípios ativos usados de forma isolada têm eficiência para o controle da doença. Essa situação ocorre somente para duas moléculas disponíveis para o controle da ferrugem, prothioconazole (DMI) e benzovindiflupyr (SDHI), que pertencem a diferentes empresas. Desta forma, não há estratégia anti-resistência sendo utilizada de forma efetiva no manejo de fungicidas para controle da ferrugem.
O excessivo número de aplicações realizadas na safra normal e na soja safrinha exerce forte pressão de seleção para resistência aos SDHI, com perspectiva de se perder esse novo grupo rapidamente. Salienta-se que não há grupos novos de fungicidas em teste para ferrugem. Os ensaios de fungicidas em rede, conduzidos desde 2003/2004, são realizados em semeaduras tardias (dezembro) e somente cinco fungicidas apresentam boa eficiência nessa situação, três deles contendo SDHI na formulação. Esse cenário é extremamente preocupante, pois coloca em risco todo o sistema produtivo da cultura no Brasil.
Outra possível consequência do cultivo da soja safrinha é o comprometimento da qualidade do solo manejado no sistema plantio direto (SPD), que apresenta como requisitos básicos a diversificação de culturas e a manutenção do solo coberto e com baixa mobilização. O cultivo da soja na safrinha proporciona baixo aporte de fitomassa na superfície do solo, fato agravado pela sua baixa relação C/N, o que favorece a rápida decomposição dos resíduos vegetais. Isso resulta em baixa cobertura do solo o que, por sua vez, favorece a erosão do solo e a infestação de plantas daninhas, além de aumentar as perdas de água do solo por evaporação. Outra consequência associada à baixa produção de palhada e raízes, principalmente na sucessão soja verão/soja safrinha, é a redução do teor de matéria orgânica do solo, levando à degradação química, física e biológica do solo ao longo dos anos, e ao aumento das emissões de gases de efeito estufa (GE). Dados de pesquisa de Universidades e da Embrapa têm demonstrado que para a manutenção ou aumento dos teores de matéria orgânica do solo no SPD seria necessária a produção de oito a dez toneladas de resíduos vegetais (palhada) /ano. Com o uso contínuo da sucessão soja verão/soja safrinha, esse valor ficaria em torno de seis toneladas por ano, o que, associado ao maior aporte de N, aceleraria a decomposição da matéria orgânica do solo. Esse cenário compromete as metas estabelecidas pelo Brasil para mitigação de GEs e que compõem a base para a inclusão do SPD como prática elegível no Plano ABC. É importante destacar ainda que a baixa diversificação do sistema de produção resulta na diminuição da diversidade biológica e do aproveitamento e ciclagem de nutrientes, reduzindo assim a eficiência de uso dos fertilizantes.
Diante disso, o cultivo de soja na safrinha, especialmente quando realizado após a soja de verão, vai aumentar o consumo de agrotóxicos e de fertilizantes em todo o sistema de produção, com o consequente incremento dos custos de produção e dos impactos ambientais negativos. É possível que o uso contínuo desa prática seja um fator limitante à obtenção de altas produtividades de soja na safra normal, bem como aumente os riscos de perdas de produção em função da ocorrência de estreses ambientais bióticos (pragas e doenças) ou abióticos (seca).
A Embrapa Soja iniciou na safra 2013/14 ensaios de campo com o objetivo de avaliar e elucidar os efeitos do cultivo da soja safrinha nos sistemas de produção, avaliando cultivares, espaçamento entre fileiras, densidade de plantas e estratégias de fertilização. Os resultados estão sendo analisados, mas a ferrugem asiática foi o fator mais limitante na condução deses ensaios, tendo sido feitas até sete aplicações e mesmo assim não se obteve controle efetivo.
No entanto, mesmo que se obtenham resultados que contribuam na condução de soja safrinha, é importante lembrar que a diversificação de culturas é crucial para a sustentabilidade dos sistemas de produção, fato já comprovado por vários trabalhos de pesquisa conduzidos por diversas instituições no Brasil e no Mundo.
Fonte: Cultivar
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